Quando a poesia encontrou abrigo: Mauá e o capítulo literário que o Brasil precisa lembrar
A partir dessa organização, os integrantes do colégio publicaram obras conjuntas, ampliando a circulação da poesia produzida em Mauá e fortalecendo a identidade literária da cidade. Entre os projetos, destaca-se ainda Vozes da Tempestade, obra que permanece inédita, mas simboliza a intensidade criativa daquele período.
Nem só de fábricas, trilhos e indústrias se constrói uma cidade. Há momentos em que as palavras também erguem muros, abrem caminhos e deixam marcas profundas na história. Em Mauá, entre as décadas de 1960, 1970 e 1980, a literatura — especialmente a poesia — encontrou terreno fértil para florescer e resistir. Foi nesse cenário que surgiu o Colégio Brasileiro de Poetas de Mauá, um movimento que colocou a cidade no mapa da produção literária nacional.
Em tempos de regime militar, quando a liberdade de expressão era cerceada, a poesia tornou-se refúgio e ferramenta. Escrever era mais do que criar: era questionar, resistir e existir. Mauá, contrariando a ideia de cidade apenas industrial, revelou-se também espaço de pensamento crítico, sensibilidade artística e efervescência cultural.
A cidade que acolheu as palavras
O fortalecimento do movimento poético em Mauá não foi obra do acaso. Três fatores se somaram para que a literatura ganhasse força na cidade. O primeiro foi o desejo urgente de expressão em um período de repressão política. O segundo, a criatividade e o compromisso dos escritores com o fazer literário. E o terceiro, talvez o mais importante, foi a existência de um ambiente cultural acolhedor, pulsante e vivo.
Esse ambiente tinha nome e endereço: o Grêmio Monteiro Lobato.
Instalado no início da Avenida Barão de Mauá, o grêmio tornou-se ponto de encontro de leitores, poetas, críticos e curiosos. Segundo o depoimento de Aristides Theodoro, ali se reuniam pessoas “com sede de leitura e de um bom papo”. Era um espaço onde livros circulavam de mão em mão, ideias eram debatidas e a literatura deixava de ser algo distante para se tornar prática cotidiana.
Nomes como Castelo Hanssen, Dirceu Hanssen, Mané Galileu, Moysés Chaade, Benedicto Milanelli, Valêncio Branco, entre tantos outros, ajudaram a construir esse território simbólico onde Mauá respirava cultura.
Um verdadeiro laboratório literário
O Grêmio Monteiro Lobato funcionava como um verdadeiro laboratório de criação. Seus frequentadores liam clássicos, discutiam textos, trocavam impressões e apresentavam suas próprias produções. Dali surgiram obras, autores e iniciativas que extrapolaram os limites da cidade.
Entre os frutos desse movimento destacam-se os EPOMs — Encontros de Poetas de Mauá, eventos que reuniam escritores e ampliavam o alcance da produção local. A literatura, que muitas vezes parecia restrita aos grandes centros, ganhava voz a partir de Mauá.
O acervo bibliográfico do grêmio, essencial para a formação desses escritores, foi construído por meio de doações de apaixonados por livros. Irmãos Salgueiro, Jarbas e Jalles, Dr. Jaime, Benedito Milanelli, Moysés Amaro Dalva, Castelo Hanssen e Aristides Theodoro foram alguns dos responsáveis por alimentar esse patrimônio coletivo de leitura.
O Colégio Brasileiro de Poetas: Mauá no cenário literário
Fundado oficialmente em 19 de outubro de 1973, o Colégio Brasileiro de Poetas nasceu com um objetivo claro: viabilizar a publicação de autores locais por meio de uma cooperativa literária. A iniciativa partiu de Moysés Amaro Dalva, Aristides Theodoro, Castelo Hanssen e Nelson Bergamaschi — nomes que entenderam que escrever também era um ato coletivo.
A partir dessa organização, os integrantes do colégio publicaram obras conjuntas, ampliando a circulação da poesia produzida em Mauá e fortalecendo a identidade literária da cidade. Entre os projetos, destaca-se ainda Vozes da Tempestade, obra que permanece inédita, mas simboliza a intensidade criativa daquele período.
Mauá também é literatura
Ao revisitar essa história, fica claro que Mauá não foi apenas palco de desenvolvimento industrial. Foi também território de ideias, versos e pensamento crítico. Em um Brasil marcado por silêncios impostos, a cidade ofereceu abrigo às palavras.
Reconhecer o Colégio Brasileiro de Poetas e o Grêmio Monteiro Lobato é reconhecer que Mauá teve — e tem — um papel importante na história da literatura brasileira. Uma história feita de encontros, livros compartilhados, resistência cultural e poesia como forma de permanência.
Porque, em Mauá, a memória também se escreve em versos.
A seguir, o poema "O lixo da vida" de Castelo Hanssen, extraído da antologia Revoada de pássaro negros.
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