Léa Aparecida de Oliveira: Operária, Poeta e Resistência – Especial Dia da Consciência Negra
Sua trajetória revela as camadas de resistência que moldaram sua obra, sua atuação política e seu legado – especialmente enquanto mulher negra que desafia, cria, denuncia e transforma.
No dia da Consciência Negra, o Mauá Memória dedica este especial à história de uma mulher cuja vida atravessa poesia, política, luta operária e arte: Léa Aparecida de Oliveira (Crisólia, Ouro Fino – MG, 1955 / Mauá – SP, 1988). Uma mulher metalúrgica, escritora, vereadora, militante e figura marcante da história de Mauá e do Grande ABC.
Sua trajetória revela as camadas de resistência que moldaram sua obra, sua atuação política e seu legado – especialmente enquanto mulher que desafia, cria, denuncia e transforma.
Da infância mineira à Mauá: raízes que viraram poesia
Léa nasceu em 14 de novembro de 1955, em Crisólia, distrito de Ouro Fino (MG). Sua terra natal seria lembrada inúmeras vezes em seus poemas, quase como uma memória afetiva que ecoa passado e identidade. Nos anos 1960, mudou-se com a família para Mauá, onde participaria da Sociedade Amigos de Bairro no Jardim Anchieta — ali nascia o embrião de sua militância social.
Suas memórias da infância, da vila, das tardes e da simplicidade da vida mineira, aparecem em versos como os de Aos Cinco Anos e Recordação, revelando uma poeta sensível, atenta às pequenas imagens que formam quem somos.
Luta operária, resistência e violência de Estado
Entre 1974 e 1982, Léa trabalhou como metalúrgica. Nesse ambiente, descobriu a força de sua voz coletiva e se envolveu profundamente nos movimentos de trabalhadores. Participou da Comissão de Fábrica da Constanta (Grupo Philips), liderou greves e se tornou uma das principais vozes femininas da luta operária no ABC paulista.
Sua participação ativa incomodou. Em uma das greves, Léa foi presa na portaria da fábrica e levada ao DOPS, onde foi interrogada e torturada, saindo com a clavícula quebrada. Esses momentos aparecem de forma intensa em sua poesia, especialmente no poema "Resistindo", onde versos nascidos no chão da fábrica se misturam ao desejo de liberdade.
A violência do período militar e o risco constante fizeram com que tentasse viajar à União Soviética para escapar da perseguição. Ainda assim, lutou, resistiu e não se calou.
A voz na política: vereadora jovem, corajosa e radical
Em 1982, Léa foi eleita vereadora de Mauá pelo Partido dos Trabalhadores. Tornou-se líder da bancada e membro do Diretório Regional do PT-SP. Participou de movimentos que marcaram a história da cidade e do ABC:
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Movimento ecológico contra a poluição da Represa Billings;
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Mobilização contra a venda das praças centrais de Mauá;
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Comissão de Inquérito sobre o Hospital e Sanatório Capiburgo;
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Greves dos motoristas, bancários e operários da Cerâmica Nara;
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Comitê pela Anistia;
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Encontros Paulistas da Mulher (1978 e 1979).
Léa não aceitava debates inúteis ou cerimônias políticas vazias. Em plenário, defendia prioridades sociais com firmeza — às vezes com radicalidade, sempre com autenticidade.
A poeta: palavra como arma, memória e denúncia
Antes, durante e depois da política, Léa foi poeta — profunda, inquieta, crítica. Sua obra navega entre denúncia social, subjetividade feminina, memórias de infância, erotismo, resistência e dor.
Entre suas publicações, estão:
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Revoada de Pássaros Negros (1980)
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O Sol e Eles (1981)
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Etikêta com Peixes e Batatinhas (s/d)
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Talvez Amanheça – Poemas Manuscritos (1984)
Sua poesia operária é única no país: versos escritos no intervalo, entre máquinas, nos silêncios e barulhos da fábrica. Muitos eram revisados à noite, entre amigos poetas.
Textos como "Estádio do Morro", "Resistindo", "Estupro" e "Os Miseráveis" revelam sua franqueza radical — literária e existencial.
Léa escrevia com a força de quem viveu o que dizia. Sua poesia é documento histórico, expressão política e alicerce da literatura negra do ABC.
Arte, teatro e a busca de outro caminho
Ao final do mandato, decepcionada com os rumos da política e com a dificuldade de concretizar projetos, Léa decidiu se dedicar à arte. Viajou à Colômbia e estudou arte dramática. Seus diários e inéditos revelam esse desejo: após tanta luta, sua alma buscava a criação artística como forma de renascimento.
A morte trágica de uma mulher em plena potência
Em 19 de junho de 1988, após uma vitória política na Câmara — impedindo uma coligação que contrariava seus princípios —, Léa sofreu um acidente de carro e morreu na saída de Mauá. Tinha apenas 32 anos.
Seu legado, no entanto, ficou maior do que sua curta vida.
Homenagens e permanência
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Em 1990, a EEPG Parque das Américas II passou a se chamar Vereadora Léa Aparecida de Oliveira.
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Em 2024, a Câmara Municipal de Mauá nomeou sua sala de reuniões do primeiro andar com seu nome.
Sua poesia, sua militância e sua trajetória permanecem vivas — como símbolo da resistência feminina e trabalhadora de Mauá e do ABC.
Falar de Léa importa
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uma mulher que enfrentou patrões, ditadura, preconceitos e o machismo político;
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uma operária que transformou dor em arte;
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uma vereadora que priorizou o povo;
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uma poeta que escreveu o que viveu — e viveu o que acreditava;
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uma cidadã que pagou o preço da coragem.
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