O dia da decisão: o plebiscito que mudou o destino de Mauá
No início da década de 1950, Mauá superava amplamente essas exigências. O distrito contava com mais de 9 mil habitantes e uma arrecadação prevista para 1953 superior a 3 milhões de cruzeiros, ou seja, mais que o dobro da população mínima exigida e uma renda cerca de 16 vezes maior do que o necessário para pleitear a autonomia administrativa.
A possibilidade de Mauá se tornar município deixou de ser apenas um ideal político quando passou a atender plenamente aos critérios legais estabelecidos pela Lei Orgânica dos Municípios, de 18 de setembro de 1947. A legislação determinava que um território poderia se emancipar desde que possuísse população mínima de 4 mil habitantes e renda anual de pelo menos 200 mil cruzeiros.
No início da década de 1950, Mauá superava amplamente essas exigências. O distrito contava com mais de 9 mil habitantes e uma arrecadação prevista para 1953 superior a 3 milhões de cruzeiros, ou seja, mais que o dobro da população mínima exigida e uma renda cerca de 16 vezes maior do que o necessário para pleitear a autonomia administrativa.
Para que o plebiscito fosse autorizado, a lei exigia ainda a apresentação de um abaixo-assinado com, no mínimo, 10% dos moradores maiores de 18 anos. Essa “representação”, como era chamada oficialmente, foi organizada pela Sociedade Amigos do Distrito de Mauá e entregue à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo em 30 de abril de 1953, quando o Legislativo ainda funcionava no Palácio das Indústrias, no centro da capital.
Respeitando o calendário previsto na legislação — que determinava a realização de plebiscitos nos anos terminados em 3 e 8 — a Assembleia incluiu Mauá na consulta popular marcada para 22 de novembro de 1953, ao lado de outros territórios como Ribeirão Pires e Poá.
Mobilização popular e campanha autonomista
A campanha pela emancipação envolveu diferentes estratégias de mobilização. O jornal Folha de Mauá, órgão oficial da Sociedade Amigos do Distrito, teve papel central nesse processo. Único periódico local, tornou-se o principal veículo de divulgação da causa autonomista a partir de 1952.
Entre seus principais articuladores estavam Egmont Fink, autor da coluna “Nosso Objetivo”, e Ariocy Rodrigues Costa, ambos integrantes da Sociedade Amigos e da Comissão de Emancipação. Ariocy também atuava como correspondente da Folha do Povo, de Santo André, jornal dirigido por Paul Zingg, que frequentemente abria espaço para as pautas dos autonomistas mauaenses.
Além da imprensa, os líderes do movimento percorriam bairros mais afastados, realizavam discursos públicos, distribuíam panfletos pró-emancipação e espalhavam faixas pelas ruas, ampliando o alcance da campanha e reforçando o engajamento popular.
O dia do plebiscito
No dia 22 de novembro de 1953, estavam aptos a votar os moradores com mais de dois anos de residência em Mauá e maiores de 18 anos. O sistema de votação seguia rigorosamente o que determinava a Lei Orgânica dos Municípios: cédulas impressas com as palavras “SIM” ou “NÃO”, de cores distintas, colocadas em envelope opaco e depositadas em urna, garantindo o sigilo do voto.
Toda a votação ocorreu em um único local: o Grupo Escolar Visconde de Mauá, onde funcionaram as quatro seções eleitorais. A maioria dos mesários era composta por integrantes do próprio movimento autonomista. Apesar da forte mobilização, a abstenção foi alta, atingindo 54% dos eleitores.
Ainda assim, o resultado foi expressivo:
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SIM: 658 votos
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NÃO: 7 votos
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Brancos e nulos: 5 votos
A vitória do “sim” confirmou, nas urnas, o desejo de autonomia da população mauaense.
A ameaça à autonomia e a batalha jurídica
Pouco após o resultado do plebiscito, um novo obstáculo surgiu. Uma representação encaminhada ao Supremo Tribunal Federal levou o então procurador-geral da República, Plínio Travassos, a declarar a inconstitucionalidade da Lei Orgânica dos Municípios, colocando em risco os plebiscitos realizados em 1948 e 1953, incluindo o de Mauá.
Segundo o parecer, a decisão sobre emancipações deveria caber às Câmaras Municipais, e não às Assembleias Legislativas estaduais. A Câmara Municipal de Santo André se antecipou e passou a articular a tentativa de barrar a autonomia de Mauá e Ribeirão Pires.
Diante da ameaça, os autonomistas contrataram o jurista Seabra Fagundes, que defendeu a legitimidade do processo e argumentou que a criação de novos municípios representava um caminho legítimo para o desenvolvimento do país.
Em 8 de agosto de 1954, o STF deu ganho de causa aos autonomistas, derrubando o parecer de Plínio Travassos e garantindo a validade do plebiscito. A decisão foi comemorada com uma grande concentração popular em Mauá, com discursos de Egmont Fink, então presidente da Comissão e já candidato a prefeito, além dos irmãos Harry e Anselmo Walendy e de Tercílio Tamagnini, candidato a vice-prefeito.
A disputa pelas divisas e o caso Capuava
A vitória jurídica não encerrou os conflitos. Uma das questões mais delicadas do pós-emancipação foi a definição das divisas territoriais, especialmente na região de Capuava, onde estava sendo inaugurada, em 1954, a Refinaria Petrolífera União, além de outras indústrias que formariam um importante parque industrial.
O deputado estadual Antonio Flaquer, ex-prefeito de Santo André, tentou garantir essa área para seu município, propondo que a divisa fosse estabelecida no córrego do Taboão, o que transferiria para Santo André regiões hoje pertencentes a Mauá, como o Parque São Vicente.
A reação dos autonomistas foi imediata. Após intensas articulações políticas, a divisa acabou sendo definida no córrego da Cofap, assegurando a incorporação de Capuava ao território de Mauá. Segundo relatos da época, tratou-se de um processo longo e desgastante, mas decisivo para o futuro econômico do novo município.
Assim, o plebiscito e seus desdobramentos revelam que a emancipação de Mauá foi resultado não apenas de uma votação popular, mas de uma complexa combinação de mobilização social, enfrentamentos jurídicos e disputas políticas, que moldaram os contornos do município que surgia.
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