O Moinho de Sal do Matarazzo: quando Mauá começou a brilhar com energia
O Moinho de Sal do Matarazzo marcou o início da industrialização e da chegada da energia elétrica em Mauá, impulsionando o crescimento da cidade. Junto à Cerâmica Morelli, pioneira na produção local, essas indústrias moldaram a história e o cotidiano das famílias que ajudaram a construir a Mauá moderna.
Imagine Mauá no início do século XX: ruas de terra, poucas casas e um futuro ainda por construir. Foi nesse cenário que se ergueu o Moinho de Sal do Matarazzo, uma das primeiras grandes indústrias da cidade e um símbolo do progresso que começava a despontar.
Localizado na Avenida Capitão João, onde hoje está o Paço Municipal, o moinho começou suas atividades por volta de 1906, substituindo uma antiga moagem de trigo. Sob o comando da poderosa família Matarazzo, o local passou a moer sal e abrigar um verdadeiro polo industrial, com depósitos de cimento, breu, arame farpado e até soda cáustica — “tudo importado”, como lembrava Armando Scilla, um dos nomes ligados à história da fábrica.
Uma família que marcou época
Armando era filho de Pedro Scilla, italiano que assumiu a gerência da indústria após a saída da família Camerini. Pedro veio para ficar e deixou sua marca na cidade, assim como seu filho, que também trabalhou no moinho entre as décadas de 1930 e 1936.
Outro nome importante foi Tomaz Antico, que chegou a Mauá no início do século XX e começou como guarda-livros. Esses pioneiros foram parte da engrenagem que ajudou a transformar uma pequena vila em um centro de trabalho e inovação.
A chegada da energia elétrica
Mas o moinho fez muito mais do que moer sal. Ele foi o responsável por trazer energia elétrica para Mauá!
De acordo com cálculos de Armando Scilla, a eletricidade chegou à fábrica entre 1915 e 1916, tornando-se a primeira empresa da cidade a ser beneficiada com iluminação. Logo, as casas próximas também receberam energia — cerca de 15 residências foram construídas para os empregados da Matarazzo, todas iluminadas.
A primeira linha elétrica passava pelas propriedades da família Queiroz Pedroso (a dona Mariquinha), na região de Santo André. Só anos depois, na década de 1920, Mauá receberia oficialmente sua segunda linha de energia ao longo da Avenida Capitão João.
Uma comunidade operária
A vida ao redor do moinho fervilhava. As famílias dos funcionários moravam próximas à fábrica, formando uma pequena comunidade.
Ali viviam nomes que se tornaram parte da memória local: Manoel Pina, Antônio de Campos, Amaro Corrêa, Virgílio Ferraz, José Bizutti, Luiz Rossi, Manoel Máximo, entre outros. Todos dividiam não só o trabalho, mas também os laços de amizade, vizinhança e esperança por dias melhores.
O conde Matarazzo fazia visitas à fábrica com frequência — e, segundo Armando Scilla, era um homem simples e bondoso, que gostava de conversar com os operários. Costumava aparecer de surpresa, observando o movimento e a poeira branca que tomava o ambiente após a moagem do sal.
O dia em que o moinho parou
Em 1932, durante a Revolução Constitucionalista, um episódio curioso marcou o moinho. Caminhões do Exército chegaram requisitando o estoque de arame farpado, material usado nas trincheiras. Rapidamente, correu o boato de que os jovens trabalhadores seriam levados para a guerra — e o pânico tomou conta da cidade.
As famílias fugiram às pressas, e Mauá ficou quase deserta. Só quando os caminhões partiram para São Paulo é que a calma voltou. Poucos anos depois, no final da década de 1930, o moinho encerrou suas atividades, deixando para trás memórias e uma contribuição imensa para o desenvolvimento local.
A Cerâmica Morelli: arte e trabalho em família
Antes mesmo da Matarazzo, Mauá já abrigava outra grande iniciativa industrial: a Cerâmica Morelli, uma das pioneiras da cidade. Fundada por volta de 1904, a cerâmica funcionou até 1916, sob comando da família Perrella — e depois, da família Morelli, que deu nome à empresa.
A Cerâmica Morelli produzia tijolos furados e telhas canoinhas, muito parecidas com as usadas até hoje. Uma foto de 1910 mostra cerca de 70 trabalhadores e revela o cotidiano daquela época: mulheres com longos vestidos e panos na cabeça, homens de chapéu, crianças descalças. Era um retrato vivo de uma comunidade simples, mas cheia de dignidade.
O jovem Américo Perrella, que nasceu em 1916, cresceu vendo o esforço do pai, Emigdio Perrella, gerente da cerâmica. Mesmo após o fechamento da empresa, a família continuou trabalhando com olaria até o fim da vida de Emigdio, em 1931.
Entre olarias e lembranças
Bernardo Morelli, outro nome marcante, morava “lá do lado de baixo”, perto da atual estação de Pilar. Sua propriedade fazia divisa com o curtume Mauá e com a chácara de Luiz Merloni — onde hoje se ergue o Banco Brasileiro de Descontos.
Naquele tempo, as áreas ao redor eram povoadas por oleiros (fabricantes de tijolos), atraídos pela boa argila da região. Com o passar das décadas, o local foi se transformando até dar lugar ao atual terminal rodoviário.
As mulheres dos oleiros também trabalhavam duro: lavavam roupas no tanque do Morelli, feito de madeira, e esperavam os lavadouros secarem sob o sol. Quando chovia, o nível da água subia e todos precisavam fugir — o que rendia muitas risadas (e brigas) no dia seguinte.
Uma herança de coragem e trabalho
Histórias como as do Moinho de Sal do Matarazzo e da Cerâmica Morelli mostram como Mauá nasceu da força das mãos trabalhadoras — de famílias que vieram de longe, mas criaram aqui seus sonhos, seus lares e um legado de progresso.
São memórias que ainda ecoam nas ruas, nos nomes das avenidas e nas lembranças de quem vive na cidade que cresceu ao som das máquinas, dos trens e da esperança.
Fonte: Trecho adaptado do livro De Pilar a Mauá – Ademir Medici, páginas 37 e 38.
Relato de Armando Scilla.
Apoie o Mauá Memória
Sua colaboração nos ajuda a manter viva a história de Mauá
💳 Contribua via PIX
Deixe 0,00 para gerar um código com valor em aberto