Conto: Meu nome é José e eu morava em Mauá na década de 1940

Foi naquela década que começaram a falar em mudar o nome de Pilar pra Mauá. Uns diziam que era por causa da estação, outros por causa do progresso. O que eu sei é que as ruas começaram a ser batidas com pedra, os armazéns aumentaram, e os italianos já não vendiam fiado.

Conto: Meu nome é José e eu morava em Mauá na década de 1940

Meu nome é José.
E eu morava em Mauá.
Mas, naquela época, a gente ainda chamava de Pilar, mas a estação já tinha novo nome Mauá.
Ano de 1942, mais ou menos. A memória me escapa às vezes, mas o cheiro de lenha queimando nas olarias ainda vive firme no meu nariz.

Eu morava ali perto da linha do trem, onde hoje passa o viaduto, tinha uma igrejinha velha que foi demolida. Era uma casa simples, de barro batido e telha de segunda mão. Meu pai era trilheiro, trabalhava ajeitando os trilhos da São Paulo Railway, e minha mãe, costurava pros italianos da Vila Bocaina.

A gente não tinha muito. Mas tinha rotina: acordar com o apito da fábrica, comer pão dormido com café, e correr pra escola do bairro — quando dava. Porque às vezes era dia de ir com minha mãe buscar argila lá no Tanque da Paulista onde os homens tiravam barro com enxada e usavam na fábrica.

As fábricas eram tudo

A Fábrica Grande ainda cuspia fumaça de manhã e de tarde. As mulheres que saíam de lá tinham as mãos rachadas e a pele vermelha do forno. O Curtume Mauá cheirava forte, um fedor de couro e produto químico que grudava na roupa. Mas quem trabalhava lá ganhava respeito, e o almoço garantido.

Tinha também o campo da Cerâmica, onde eu jogava bola com os meninos aos domingos. A bola era de meia velha enrolada, mas o orgulho era grande. Quando meu time ganhava, a gente descia até o bar do Zé do Armazém pra tomar groselha com gelo — gelo de verdade, tirado do bloco com facão.

Os medos da infância

Na minha rua não tinha luz. Depois das 6 da tarde, a gente só andava com lamparina. Minha avó dizia que tinha alma penada no mato atrás da linha, que era bom não fazer barulho à noite. Quando alguém desaparecia, diziam que era o Homem do Saco ou que a Loira do Mato tinha levado. A gente ria, mas corria pra casa.

E a mudança chegou

Foi naquela década que começaram a falar em mudar o nome de Pilar pra Mauá. Uns diziam que era por causa da estação, outros por causa do progresso. O que eu sei é que as ruas começaram a ser batidas com pedra, os armazéns aumentaram, e os italianos já não vendiam fiado.

Eu cresci ali.
Trabalhei, me casei, tive dois filhos.
Mas às vezes, quando olho pela janela e vejo os ônibus barulhentos passando onde antes era terra e vaca, fico me perguntando: será que alguém ainda lembra?

Meu nome era José.
E eu morava em Mauá.
Num tempo em que o barro sujava os pés, mas o coração da gente era limpo.

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