Conto: A Primeira Aula na Paineira

A Escola da Paineira, como todos conheciam, ficava no centro do distrito de Pilar. Não era grande: duas salas, janelas altas e um quadro-negro que ainda cheirava a carvão. Mas era o símbolo de que aquele lugar, mesmo perdido entre trilhos e olaria, começava a criar raízes.

Conto: A Primeira Aula na Paineira

A manhã amanheceu molhada de neblina, como se o céu estivesse lavando a cidade para um novo começo. O sino da estação já havia tocado quando Giuseppe Bertassi, de chapéu surrado e camisa arregaçada, saiu de casa com passos decididos. Ao seu lado, Anita, a esposa, carregava uma sacola de pano com cadernos feitos à mão, amarrados por fita azul.

Atrás deles, os três filhos mais velhos seguiam em silêncio: Luigi, o sério, de 18 anos; Rosa, com olhos curiosos de 14; e o pequeno Carmine, de 8, carregando um lápis como quem segura uma espada.

— “Hoje é dia de escola,” disse Anita, com um sorriso cansado mas firme.

— “E não é qualquer escola,” completou Giuseppe. “É a da Paineira.”

Era como se falassem de um templo.

A Escola da Paineira, como todos conheciam, ficava no centro do distrito de Pilar. Não era grande: duas salas, janelas altas e um quadro-negro que ainda cheirava a carvão. Mas era o símbolo de que aquele lugar, mesmo perdido entre trilhos e olaria, começava a criar raízes.

Chegando à frente do prédio, Giuseppe respirou fundo. Lembrou-se de seu próprio pai, analfabeto, e da promessa que fizera ao chegar do interior: “meus filhos vão aprender a ler o mundo.”

A diretora, Dona Carlota, mulher de postura rígida e olhos justos, recebeu a família com um aceno breve.

— “Vieram matricular?”, perguntou.

— “Sim, senhora. Rosa e Carmine. O Luigi já vai começar a trabalhar, mas ainda quer aprender as letras de vez em quando.”

Dona Carlota examinou as crianças com olhos de inspetora de trem. Quando chegou a Rosa, notou o caderno no colo.

— “Você já escreve?”

— “Sim, senhora. Escrevo tudo que vejo. Até as falas do rádio do vizinho.”

Um sorriso fugidio escapou da boca da diretora.

— “Tem lugar pra ela, sim.”

Enquanto preenchiam as fichas de matrícula com tinta azul borrada, Carmine passeava os olhos pela sala de aula. Viu a estante com livros velhos, um mapa do Brasil pendurado torto e, na parede de trás, uma enorme pintura de uma paineira cor-de-rosa, símbolo da escola.

— “É ali que a gente aprende a ser gente,” disse um menino mais velho, sentado no pátio, ouvindo a conversa. “Mas não pense que é fácil, não. Aqui até castigo tem nome bonito: canto do pensamento.”

Na saída, Giuseppe apertou o chapéu contra o peito e olhou para os filhos.

— “Agora é com vocês.”

Rosa subiu correndo os degraus da escola. Carmine foi mais devagar, com o lápis firme na mão. Anita, ao lado do marido, enxugou os olhos sem que ninguém visse.

Ali, entre barro e sonhos, começava mais um capítulo da família Bertassi. E, naquele dia, a paineira do centro floresceu um pouco mais.

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